A Avaliação de Desempenho no setor público é um tema que vem ganhando contornos de grandes dimensões, tornando-se alvo de muita polêmica no que refere ao mérito, metodologia e aplicabilidade. Esse tema foi bastante influenciado pelos modelos de gestão que surgiram em administrações públicas de alguns países, como a Grã-Bretanha e a Nova Zelândia, especialmente nas décadas de 1980 e 1990, que preconizavam o aumento da eficiência na prestação dos serviços e um foco maior da atuação do Estado voltado para o atendimento das expectativas e necessidades de todas as partes interessadas envolvidas. Esse movimento é conhecido como New Public Managment.
No setor público brasileiro, já existem órgãos com práticas efetivas que além de realizarem a avaliação do desempenho de seus servidores, ainda atrela esse desempenho a parte da remuneração. Em 2010, O Decreto nº 7.133/2010 regulamentou os critérios e procedimentos gerais para a realização das avaliações de desempenho no serviço público, de 48 gratificações. A proporção das notas de desempenho ficou dividida em 20% individual e 80% institucional. Entretanto, com práticas estabelecidas antes da promulgação do decreto, algumas organizações públicas, como o Inmetro, não adotaram o mesmo balanceamento das notas de desempenho estabelecidas no decreto, constatação que merece uma reflexão mais aprofundada sobre tema. A autarquia mencionada distribui a parcela individual em 60% e 40% a institucional.
Dos conceitos da literatura técnica extrai-se a Avaliação por Desempenho como o julgamento que se faz do esforço produzido ou do empenho, seja em relação ao indivíduo e também a equipe de trabalho. Esses dois inseridos dentro de uma organização, visando o alcance dos objetivos individuais e organizacionais que ocorrem através de um conjunto de tarefas ou atividades praticadas. Insumos são transformados em produtos, com a aferição dos resultados obtidos em que existe a confrontação entre aquilo que foi planejado e o que efetivamente foi realizado. Assim, podemos falar em duas dimensões do desempenho: a individual e a coletiva.
Considerando todos os elementos que permeiam a temática da avaliação de desempenho, tanto no plano individual quanto institucional, percebe-se que está inserida em um ambiente estratégico em que variáveis externas à condição do indivíduo influenciam o resultado das atividades desenvolvidas, do individual para o coletivo e vice-versa. Pessoas e as organizações formam um constructo em que é preciso fazer a interpretação desse contexto organizacional, pois ao mesmo tempo em que a organização demanda esforços de seus funcionários para atingir seus objetivos, cada indivíduo depende dos outros para que tal situação ocorra.
O Relatório da OCDE reforça esse posicionamento ao postular “o conceito de desempenho adquire novas dimensões quando se passa da organização para a equipe e o indivíduo” (OCDE, 2010, p.207). Longo (2007) vai à mesma direção, ao chamar a atenção que o excessivo foco no desempenho individual pode prejudicar o trabalho em equipe. Não se trata apenas de cobrar o indivíduo por resultados que estão vinculados às suas atribuições e responsabilidades, mas também de compreender como se dá a dinâmica das relações e interações com as chefias e demais colegas, também considerando as variáveis oriundas do ambiente.
Desta maneira a organização não só atribui um grau avaliativo ao desempenho individual, mas também atribui a responsabilidade do desempenho institucional como conseqüência deste desempenho combinado a outros que se materializam, ou não, em resultados corporativos e a retribuição que os empenhos aplicados devem perceber por conta desse mérito. Dessa análise, surgem perguntas que merecem reflexão:
1. O servidor é o único responsável por consecuções de metas individuais que necessariamente impactam nas institucionais?
2. O líder da equipe é devidamente responsabilizado e é passível de qualquer tipo de conseqüência que o motive a adotar uma postura pró-ativa de ser o elo de ligação entre a estratégia institucional e a esfera executiva da equipe e do indivíduo?
3. O sistema de avaliação de desempenho é formado por práticas adequadas, disseminadas e integradas, da forma como propõe o Modelo de Excelência em Gestão Pública?
4. O processo de avaliação de desempenho tem inter-relacionamento com o Plano de Cargos e Salários?
5. O órgão trabalha Gestão por Competências?
Autores como Longo (2007), Pontes (1989) e Lucena (1992) consideram que existe uma interligação necessária entre objetivos estratégicos, intermediários (ou táticos) e individuais. Ou seja, ao menos que haja uma coordenação coerente entre esses três níveis metas, teremos um processo de avaliação de desempenho desarticulado, que liga o individual diretamente ao estratégico, sem que exista a reflexão e a harmonização dos objetivos em nível da unidade organizacional, trabalhados por equipes, em que cada indivíduo pactua, compartilha e conhece os objetivos junto aos seus pares.
É importante que os instrumentos de avaliação sejam embasados através de conceitos bem definidos, em que ao mesmo tempo considere-se o equilíbrio entre a objetividade mensurada em entregáveis e ponderada pelo entendimento do contexto, em que a cultura da organização reforça ou prejudica os meios pelos quais o indivíduo pode obter o pactuado. Inclusive, os parâmetros devem propiciar o entendimento entre as partes que ocorre através de negociação e comunicação, prevendo as etapas do processo bem estabelecidas, os condicionantes e maneiras de minimizá-los em prol da boa gestão, além das medidas corretivas de rumo que devem ser avaliadas.
Considerar o indivíduo como responsável pela consecução de partes de objetivos ou metas pactuadas, no âmbito das organizações, é ilógico se ao menos não considerar a inter-relação que existe entre metas individuais, metas intermediárias e metas institucionais. Antes de se definir o balanceamento da notas das dimensões que compõe a gratificação do desempenho, é preciso verificar se os fatores e critérios de avaliação, bem como os instrumentos, estão alinhados às políticas e diretrizes institucionais. A responsabilização do desempenho não pode ser recortada, sem que toda a cadeia de atores seja avaliada, dentro de uma perspectiva de causa e efeito, com base nas suas atribuições, responsabilidades e atitudes de todos os envolvidos no processo.
O servidor precisa enxergar o seu papel e suas atribuições integradas aos postulados estratégicos da instituição, e a integração é um dos fatores defendidos pelo Modelo de Excelência em Gestão Pública. Isso permite inferir que a prática de gestão, que é estabelecida para a aferição do desempenho individual do servidor frente ao desempenho institucional, seja passiva de ser questionada à luz dos fatores de avaliação defendidos pelo próprio modelo. O mesmo pressupõe, entre outros fatores, averiguar a coerência dessa prática com as estratégias e necessidades do órgão, a interligação dessas estratégias com objetivos intermediários e individuais, considerando o perfil da organização em questão, que se revela também a partir de sua natureza jurídica, autonomias e flexibilidades.
Desta forma, se houver o reconhecimento que a Avaliação de Desempenho é uma prática inexorável dentro do serviço público brasileiro, tem-se como oportunidade refletir sobre a sua real finalidade, identificar as condições e os requisitos necessários. Não basta medir e recompensar desempenho por meio de remuneração, mas prática deve dialogar com outros subsistemas de recursos humanos, tais quais o Plano de Carreiras e a Gestão por Competências.
Assim, deve-se buscar o ponto de equilíbrio entre os direitos dos servidores e a exigência de um serviço público de qualidade que se reflete na manutenção de um Estado regulador e promotor de políticas públicas. É preciso assegurar o bem-estar e o atendimento das demandas dos cidadãos, aliando a performatividade do serviço público não como um fim em si mesmo, mas como uma condição necessária para a consolidação de práticas em um novo modelo.
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