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sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Performatividade vs. Ética















No artigo de Stephen Ball, professor do Instituto de Educação de Londres, intitulado "Performatividade, Privatização e o Pós-Estado de Bem Estar" (dossiê: “Globalização e Educação: precarização do trabalho docente – II”), o mesmo faz uma dura crítica ao modelo regulador-auditor. Esse seria advindo das reformas administrativas ocorridas na administração pública de vários países, principalmente na Grã-Bretanha, e outros países da Comunidade Européia, e assim, o autor ressalta o setor de educação, o qual considera como prejudicial a questão da performatividade, na sua opinião, uma premissa importada da gestão privada.

A ideia central do texto é considerar que a privatização e a mercantilização do setor público, o que denomina como “novo acordo político do Pós-Estado da Providência”, tem introduzidos hábitos da produção privada e da “moral utilitária” na forma de gerir as entidades públicas. Valores como justiça social, equidade e tolerância estariam dando lugar ao espírito empresarial , competição e excelência. Essa nova cultura da performatividade estaria calcada em “teorias econômicas recentes” em diversas práticas industriais, e, conseqüentemente, as escolas e o ambiente educacional estariam submetidas a este sistema.

Como o próprio autor assume no início do texto, seu relato é superficial, é justamente isso que pretendo ratificar aqui, tentando mostrar que a ideias defendidas por Ball, utilizam generalizações perigosas e distorcidas para provar sua tese, deixando sob xeque, dentro do seu ataque, a Gestão como ciência, bem como as ferramentas da qualidade.

Como não conheço em grau de profundidade suficiente a situação da Administração Pública nos países ocidentais da Europa, buscarei nos exemplos da Administração Pública Brasileira contemporânea, fazendo a defesa da Performativade, bem como a sua relação com a ética, buscando para isso, as referências do Modelo de Excelência de Gestão Pública-MPEG, inserido dentro do programa GesPública, no que tange a Gestão Pública em si, descolada ou não do modelo auditor-regulador.

Não podemos perder de vista que a crítica de Ball é pertinente, na medida em que a sociedade à luz das funções típicas do Estado refuta a ideia de uma educação mercantilizada, como produto e com finalidade lucrativa. Entretanto, o que a crítica do autor não separa é justamente as naturezas das funções típicas e atípicas de Estado, a influência dos atores e a separação da Gestão nos espaços públicos e privados, considerando-a mais do que um bloco monolítico, mais do que um elo que une as duas temáticas e serve como mecanismo da consecução dos objetivos específicos daqueles que se beneficiam, indevidamente, do novo tipo de modelo de Estado. Faltou mencionar que já se beneficiavam no antigo modelo, talvez até com mais intensidade, visto que a falta de controle e auditoria propiciava o desvio da verba pública e o reforço de práticas estamentais e patrimonialistas.

O ponto aqui é defender que a ascensão de um Estado regulador-auditor não exclui o Estado provedor de bem-estar, uma vez que os modelos por si sós não minam as estruturas, mas sim são seus atores, com interesses particulares, por vezes imbuídos de má-fé, e conflitantes com os interesses públicos. Pelo contrário, ainda que incipiente e com disfuncionalidades, a lógica do modelo regulador é não só garantir que as funções atípicas de estado funcionem, mas além disso, garantir que o cidadão enquanto cliente – na esfera privada - não tenha suas relações econômicas prejudicadas perante a inoperância ou ganância das empresas privadas.

Considerar a iniciativa privada como detentora e disseminadora da Gestão é ingênuo e demonstra desconhecimento do autor, uma vez que ainda considera a Gestão vinculada ao “chão de fábrica” e retratada e estereotipada ainda nas décadas de 10 e 20, quando o modelo taylorista-fordista foi o proeminente na ciência da Gestão, que em sua visão obtusa “é uma ciência promíscua”, pois não teria “relação necessária com a substância ou o processo”. Mas de que relação e de qual processo estamos falando?

Talvez o autor devesse estudar melhor as origens da Gestão, bem como sua relação com a parte administrativa dos sistemas militares, eminentemente públicos em todos países do globo terrestre. Mas essa é apenas uma observação de caráter da história da Administração.

O MEGP tem as origens de sua concepção relacionadas com o setor privado estadunisense. A criação do Prêmio Malcom Baldridge, em 1987, que foi concebido com ajuda do meio acadêmico, cansado da limitação dos modelos teóricos da era industrial clássica da Administração, mais tarde foi adaptado para a Gestão Pública, sem esquecer suas especificidades e sua identidade, preservando a relação cliente-empresa das empresas privadas, transformando e adaptando esse conceito na relação cidadão, sociedade e Estado, considerando as atividades essenciais deste último, que devem estar voltadas para os dois primeiros, negando um estado auto-referente e sem compromisso com a efetividade de seus serviços.

Assim, antes de observar os oito critérios preconizados no Modelo, o MEGP está fundamentado nos cinco princípios constitucionais do art. 37 da Constituição Brasileira, já muito bem conhecidos pelos servidores públicos, mas que não devemos nos cansar de repetir para quem queira internalizar: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Certamente, essa é sua diferença essencial com o mesmo modelo do setor privado, pois isso é o que faz dele adequado para o fim o qual se destina. Os fundamentos da excelência são elementos consagrados de uma gestão organizacional contemporânea (representam os “pilares”), mas são erigidos a partir dos princípios constitucionais, que representam a base.

Talvez Ball desconsidere que atividade pública não possa ser excelente, como se a qualidade fosse requisito exclusivo de consumidores nas suas relações comerciais com as empresas, evidenciando uma posição presunçosa ao negar o direito de que cidadãos, que contribuem com impostos e têm a expectativa de que os mesmos retornem na forma de serviços, e mais do que a exigência do cumprimento básico dos requisitos legais, exigem o retorno desse investimento em produtos e serviços com qualidade, que só podem ser evidenciados através de metas e resultados.

É justamente aí, que performatividade e ética se cruzam e se conectam, uma vez que só pode saber o que foi colhido, fazendo a medição disso, sem que os resultados das ações estejam ligados exclusivamente as metas financeiras e operacionais, pois resultado vai muito mais além de lucro econômico, mas sim, existe de fato um “lucro social”, que mesmo com as dificuldades de tradução de elementos abstratos em fatos e dados, não podem ser desprezados com base na premissa de dificuldade de mensuração de impactos sociais, tal qual o próprio objeto da análise do autor; a educação. Ética, aqui, é considerar a sociedade como ator beneficiário principal do processo.

Desconsiderando o enfoque como a performatividade está incorporada em serviços sociais, bem ou mal, adequado ou inadequado, a sociedade exige um resultado do processo, que certamente não está metrificado em uma fórmula matemática relacionando horas-aula, alunos e professores (ou não deveria estar). Os resultados de uma educação, seja pública ou privada, são evidenciados ao longo de décadas, mas suas estratégias e seus objetivos devem estar compartilhados e disseminados por todas as partes interessadas, devem ser monitorados e avaliados e ações corretivas devem ser tomadas, a fim de que se obtenha sucesso no alcance das metas traçadas, através de políticas públicas elaboradas, visando uma sociedade mais justa e igualitária.

A relevância do MEGP está justamente em considerar que os resultados vão muito além das planilhas e dos relatórios financeiros. Cabe a nós gestores públicos a utilização da criatividade para que resultados sociais possam ser quantificados e, acima de tudo, garantir que a Gestão da Excelência encontre seu espaço na atividade pública, repudiando a ótica de uma visão preconceituosa, arcaica e mal refletida, que se baseia na dicotomia errada de que ou se é público, ou se é excelente.

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